A palavra sânscrita mantra é formada pela junção da raiz man- “pensar” com o sufixo -tra, que indica instrumentalidade. Ou seja, um mantra é um instrumento utilizado para direcionar o pensamento, daí sua importância na prática de meditação. Essa mesma raiz man- também dá origem à palavra manas, mente, enquanto que outro significado de -tra é proteger ou libertar. Assim, mantra também pode ser entendido como um som capaz de proteger ou libertar a mente.1 Alguém poderia se perguntar então, “mas libertar de quê?”.
A vibração sonora de um mantra visa produzir certos efeitos na consciência de quem o ouve, bem como no ambiente onde é entoado. Embora existam inúmeros mantras, cada um com seu propósito específico, pode-se dizer que em geral todos eles visam livrar a nossa mente de pensamentos desnecessários e de sentimentos negativos como a ansiedade, a lamentação, a ira, a inveja, etc. Em última análise, a meditação com mantras ajuda a remover as várias camadas de concepções errôneas que temos sobre nós mesmos, promovendo assim o autoconhecimento.
Mantras não são criações humanas, mas fórmulas sonoras recebidas internamente por grandes sábios absortos em meditação. Embora os mantras nem sempre apresentem um significado literal, eles sempre comunicam um sentido espiritual muitíssimo profundo. Aliás, devemos entender que mesmo mantras que podem ser traduzidos em ideias inteligíveis possuem ainda um significado mais sutil que vai além do nosso intelecto para tocar nosso coração.
Esse efeito transformador dos mantras deve-se ao seu refinado padrão vibracional. Embora sutil, o efeito dos mantras é profundo e real, atuando de dentro para fora em nossa personalidade. Como reconhecem estudiosos modernos, mantras são arranjos melódicos e rítmicos com precisão matemática e com efeitos observáveis na matéria. Aliás, inúmeros experimentos científicos confirmam a eficácia dessa ciência milenar que utiliza o poder do som e particularmente da voz humana como instrumento de cura física, psicológica e espiritual.
O objetivo desse guia é apresentar vários tipos de mantras e fornecer ferramentas básicas para quem deseja entoá-los. Esperamos que sirva de incentivo para que cada vez mais pessoas pratiquem essa ciência espiritual e assim passem a vibrar em uma frequência cada vez mais elevada na medida em que suas consciências se harmonizam com a energia purificadora dos mantras.
Como mencionado acima, existem diversos tipos de mantras com características e finalidades distintas, alguns sendo formados por uma única sílaba e outros compostos por palavras, frases e até mesmo versos. A coletânea de vários desses mantras/versos pode formar então aṣṭakams (octetos), śatakams (cem versos), ou diversas outras formações literárias como stutis e stotrams. A seguir apresentamos algumas categorias básicas:
São “sons-semente” ou mantras de apenas uma sílaba. O mais conhecido nessa categoria é o mantra OṀ (ॐ), considerado o som primordial por representar o início, o fim e o meio da criação. Abaixo listamos nove bīja-mantras primários com suas respectivas energias:
Oṁ (ॐ) – invoca a energia do absoluto, ativando o poder da consciência pura.
Aiṁ (ऐं) – invoca a energia de Sarasvati, a deusa do conhecimento, e conecta ao guru.
Gaṁ (गं) – invoca a energia de Ganesha, o removedor de obstáculos.
Hrīṁ (ह्रं) – invoca a energia de Parvati, a esposa de Shiva, energizando o coração.
Śrīṁ (श्रं) – invoca a energia de Lakshmi, a deusa da fortuna, promovendo prosperidade.
Krīṁ (क्रं) – invoca a energia de Kali, outro aspecto da divindade feminina relacionado à ação, à expressão criativa e à transformação.
Strīṁ (स्त्रं) – invoca tranquilidade e estabilidade (shanti). A palavra strī significa mulher em sânscrito, indicando qualidades maternais como concepção, proteção e nutrição.
Hūṁ (हं) – invoca uma energia de purificação, proteção e remoção da negatividade
Klīṁ (क्रं) – invoca a energia de Krishna, o “todo-atrativo”, despertando o amor, a devoção e a atração natural da alma infinitesimal pela Alma Suprema.
Existem muitos outros bīja-mantras, como por exemplo Laṁ, Vaṁ, Raṁ, Yaṁ, Haṁ, cada um relacionado a um dos elementos bem como à energia de um dos chakras. Esses “sons-semente”, por serem a forma concentrada de determinadas potências divinas, costumam preceder e ativar outros mantras, como veremos na sequência.
Mūla significa raiz, indicando que são mantras fundamentais utilizados para reverenciar uma divindade específica, incluindo, portanto, a palavra namaḥ (saudação, reverência). Por exemplo:
Aiṁ gurave namaḥ – saudações ao mestre (guru).
Oṁ gaṁ gaṇapataye namaḥ – saudações a Ganapati (Ganesha).
Oṁ namaḥ śivāya – saudações a Shiva.
Klīṁ kṛṣṇāya namaḥ – saudações a Krishna.
São mantras que glorificam uma grande personalidade, como um mestre espiritual ou uma divindade.
Por exemplo:
Guru praṇāma-mantra (glorificação aos mestres espirituais)
vande gurūṇāṁ caraṇāravinde sandarśita svātma sukhāvabodhe
niḥśreyase jāṅgalikāyamāne saṁsāra hālāhala mohaśāntyai
Tradução: Reverencio os pés de lótus dos mestres que despertam a felicidade inerente à percepção do verdadeiro ser. Como médicos peritos, eles neutralizam o veneno da ilusão mundana.
Praṇāma-mantra dedicado ao sábio Patāñjali (compilador do Yoga-sūtra)
ābāhu puruṣākāraṁ śaṅkha-cakrāsi-dhāriṇam
sahasra-śirasaṁ śvetaṁ praṇamāmi patañjalim
Tradução: Reverencio a Patāñjali, cuja forma é aparentemente humana até os ombros, que porta o búzio, a disco e a espada em suas mãos, e que tem mil cabeças refulgentes.
São mantras descritivos, destinados a facilitar a contemplação de um local sagrado ou uma forma específica da divindade.
Meditação na forma de Krishna:
kastūrī-tilakaṁ lalāta-paṭale vakṣa-sthale kaustubhaṁ
nāsāgre nava-mauktikaṁ kara-tale veṇuṁ kare kaṅkaṇam
sarvāṅge hari-candanaṁ sulalitaṁ kaṅṭhe ca muktāvaliṁ
gopa-strī-pariveṣṭito vijayate gopāla-cūḍamaṇiḥ
Tradução: Que Krishna, a joia entre os vaqueiros, conquiste [meu coração]. [Medito nele assim]: Sua testa está decorada por uma marca feita com almíscar; seu peito ornado pela joia kaustubha; uma pérola enfeita o seu nariz. Ele porta uma flauta em sua mão e braceletes adornam seus braços. Seu corpo encantador está untado com pasta de sândalo fragrante e de seu pescoço pende um colar de pérolas.
Ele está sempre rodeado por suas amadas gopis (as divinas vaqueiras de vraja, devotas ideais de Krishna).
São preces e orações glorificando e descrevendo uma divindade, bem como pedindo bênçãos.
Normalmente são mais extensos, podendo conter muitos versos. Dois exemplos são o daśāvatāra-stotra [Gītā-Govinda 1] e o Gajendra-mokṣa-stuti [Bhāgavata Purāṇa 8.3.2-29].
Por serem preces longas, apresentamos aqui apenas o último verso do daśāvatāra-stotra, que resume os 10 avataras de Vishnu:
vedān uddharate jaganti vahate bhū-golam udbibhrate
daityaṁ dārayate baliṁ chalayate kṣatra-kṣayaṁ kurvate
paulastyaṁ jayate halaṁ kalayate kāruṇyam ātanvate
mlecchān mūrchayate daśakṛti-kṛte kṛṣṇāya tubhyaṁ namaḥ
Tradução: Ó Senhor Krishna, ofereço minhas reverências a você, que se manifesta nessas dez encarnações. Na forma de Matsya você resgata os Vedas e como Kurma você carrega a Montanha Mandara nas suas costas. Como Varaha você soergue a terra com sua presa, e na forma de Narasimha você dilacera o peito do perverso Hiranyakasipu. Na forma de Vamana você dribla a astúcia do mal orientado rei Bali, pedindo-lhe apenas três passos de terra, e então você recobra o domínio de todo o universo expandindo seus passos. Como Parashurama você aniquila todos os governantes desvirtuados e como Ramachandra você conquista o luxurioso Ravana. Na forma de Balarama, você carrega um arado com o qual você subjuga os perversos e atrai para si o rio Yamuna. Como o Senhor Buda você mostra compaixão por todos os seres vivos que sofrem neste mundo e no final da era de Kali você aparece como Kalki para restabelecer o propósito da sociedade humana.
Fonte: www.caminhosdodharma.com.br