O uso de elementos na prática espiritual varia, dependendo da abordagem ser a do xamanismo, do tantra ou do Dzogchen. Ou seja, o nível externo, interno ou secreto.
Externamente, os elementos são não apenas os elementos brutos da nossa experiência sensorial – a terra onde vivemos, a água que bebemos, o fogo que nos aquece, o ar que respiramos e o espaço através do qual nos movemos: são também os espíritos ligados a eles. Entre estes estão as deusas, os espíritos elementais e outros seres. Trabalhar com esses seres é uma prática comum na cultura tibetana e pertence ao domínio do que estou chamando de xamanismo, embora eu queira deixar claro que não existe a palavra “xamanismo” na linguagem tibetana.
As tradições tibetanas que trabalham com os espíritos vêm da tradição Bön, mas são hoje encontradas em toda a cultura tibetana. No Tibete, muitas decisões de dirigentes e altos lamas de mosteiros de todas as seitas são tomadas com base em consultas a oráculos humanos e seres não-físicos. Os tibetanos não gostam de igualar essa prática ao xamanismo porque, para alguns, a palavra está relacionada ao sacrifício animal ou a uma espiritualidade mais primitiva.
O que estou discutindo aqui não tem relação alguma com essas coisas. Tratam-se de práticas ensinadas nos quatro primeiros dos nove níveis de ensinamentos espirituais do Tesouro do Sul dos ensinamentos Bön.
Os elementos internos são as energias dos elementos e não suas formas. No corpo, essas são as energias físicas que bombeiam o sangue, digerem a comida e estimulam os neurônios, bem como as energias mais sutis das quais dependem a nossa saúde e as nossas faculdades. Algumas dessas energias sutis são hoje reconhecidas e estudadas no Ocidente graças a uma nova familiaridade com os modelos médicos orientais que informam a acupuntura e aos novos usos que pesquisadores ocidentais da área médica estão descobrindo para diferentes tratamentos vibratórios.
Existem também energias muito mais sutis que não podem ser detectadas por medições físicas, mas que estão disponíveis à experiência direta por meio das disciplinas yogues e contemplativas. Esse nível mais sutil da energia dos elementos não é encontrado apenas dentro do corpo, mas é também a dimensão de energia que os profissionais competentes de feng shui – a arte chinesa da disposição dos objetos – sentem no ambiente. São também as energias que se avolumam nos fenômenos de grupo como o comportamento das multidões, o patriotismo e coisas assim. O tantra trabalha com essas energias guiando-as no corpo com propósitos específicos, por meio de métodos yogues diretos que envolvem postura, respiração, visualização e mantra. O tantra vê as energias como forças divinas.
A dimensão secreta dos elementos existe além da dualidade, sendo portanto difícil de descrever por meio da linguagem, que divide necessariamente a experiência em objetos separados. Essa dimensão extremamente sutil dos elementos é a radiância do ser, as “cinco luzes puras”, aspectos da luminosidade que, inseparavelmente ligada ao vazio, é a base de tudo. As práticas e os ensinamentos associados a esse nível dos elementos são extraídos do Dzogchen, a Grande Perfeição.
Essas três dimensões só são separadas conceitualmente. Esse é um ponto importante que deve ser considerado durante a leitura deste livro. É um erro achar que os níveis externo, interno e secreto podem ser de fato divididos, ou que a prática externa, o tantra e o Dzogchen são mutuamente exclusivos. A confusão sobre esse ponto leva a muitas divisões na crença: religiões que desconsideram a vida do corpo, culturas seculares que não reconhecem a natureza sagrada da terra ou preocupações com o bem-estar material que negligenciam o desenvolvimento espiritual. A vida como um todo é importante e vem dos elementos sagrados.
A visão do Dzogchen é completa e engloba as outras, mas isso não significa que as visões inferiores devam ser negligenciadas. Acreditar que tudo é luminosidade insubstancial é muito diferente de conseguir atravessar paredes. A prática mais elevada é a mais eficaz e não necessariamente a que é categorizada como “superior”.
Fonte: A Cura Através da Forma, da Energia e da Luz
Os cinco elementos no Xamanismo, no Tantra e no Dzogchen do Tibete Tenzin Wangyal Rinpoche Mark Dahlby (org.)